sábado, 27 de maio de 2017

Os dias

Por Lucas Barreto

O que fui de suposto a mim-mesmo; o que fui de amarem-me e eu ser menino! 
(Fernando Pessoa)



Voz enternecida sem mistério
Clama por vis delírios desapegando caos liberto sem castigo
Pressentimento turvo
Não parto desde agora antecipando rumores de guerra
Assim tardio, percutindo noites e mundos
Despeço-me de ti, diário soturno.

Não sei desde onde já comecei ou termino
Aquela casa carecia de janelas e portas...

~ boletim meteorológico

Tão sol nunca antes visto
Sombra que parte de mim
É a partir dali que meu olhar se estende de amanhecer tão...
E te cubro de beijos e despedidas todos os dias

Choveu ontem, anteontem...
Céu limpo entreolhando o coração dos tempos feito meu querido primo de braços abertos
Perdi teu brinco que levava no bolso como truque
Levas consigo pulseiras e um olhar tão sério
Já quero guardar um tanto de ti.


quinta-feira, 30 de junho de 2016

A Hora do Lobo

Por Lucas Barreto

"Que qualquer longo tempo curto seja". 
Os Lusíadas


No Princípio

Em meu espírito reina agora tão somente a sombra do que supus
Almejei o prestígio e findei sob a redoma do miasma exalado pelos pretendentes de Penélope,
Outrora fui capitão dos sete mares
Minha frota sucumbiu transformando o mar verde em vermelho oceano. 

A estas horas tão tardas já não demonstro vontade para com a minha própria causa
Meu sangue enrubesce trazendo consigo o sentimento atlântico do mundo
Afinal de contas, hei de vos tomar por discórdia? 
Ambição de sonho impossível neutraliza a minha alma. 

Ato I

Bem vedes que perdi minha armada na tempestade d'uma única lágrima;
Inquieto, agora, percorro nas catacumbas dos que ainda hão de ser salvos.
À fogueira vós! 
Assim, por ora, a terra me favorece
Pois sei muito bem julgar a clemência da alma quando há areia entre os dedos
Loas loas para todos vocês, meus amigos imaginários
Recebo-vos do mesmo modo como Hamlet acolhera os atores em seu leito.

Teu olhar mais sereno se manifestou em meu coração tal qual mãe espiando criança
Estarias tu reverberando a sombra d'uma outra sombra? 
Quem há de guardar as mãos no bolso com feição solitária para abrir uma porta e deparar-se com outra? 

Tomai-me e lançai-me ao mar ou tomai-me por Segismundo
Lançar-vos-ei do parapeito da minha varanda
Fornicarei com vassalos numa tenda à beira mar, e, na iminência da chuva púrpura, hei de conter o desejo.

Ato II

A terra me voltou a eterna glória,
No entardecer, eu vi a Deusa partir o meu exército entre adeptos do sol e veneradores da lua
Eu vi a Deusa arremessar o filho pródigo numa fornalha de vaidades.

Apodrecem os frutos no terreno em que outrora reinastes:
Dois timões e nada mais para que eu possa navegar na plenitude deste oceano-mar
Sonho e vivo longe do sol bem como o jovem Werther
Sois, para mim, tristeza e refúgio. 

Não vivo a contento com minha namorada de jambo
Escuta: fiz para ti uma ópera de sete dias; descansarás no sétimo dia! 


Ato III - Os sonhos de Atys 

Vim de enfrentar amores e desencontros sob a luz da última ceia
Reencontrei-me por causa perdida,
O choro de quem não ama serve como consolo para todos aqueles que dormem em noites de verão
Eis-me aqui, ditoso, ante o meu próprio pesar, fitando em surdina uma alucinação sublime
Quem está aí?
Sem brilho vieste até mim sem o ouro do Reno
Não sou aquele para o qual vieste beijar a face
A hora mais escura martela o princípio e o fim do meu propósito. 

Ato IV

Minha palavra é a coroa do rei deposto
O mundo não avança por caprichos e eu, por minha fé, não cearei convosco
Bendita sois vós ao arrebatamento da noiva
Se o mundo é honesto, então o fim está próximo.

Não encontro motivo de contenda numa palha
Nada faço, tudo digo 
Olhos e ouvidos: só percebo a mentira dos que se autoproclamam imaculados. 

Ato Final 

Divido em dois pedaços o meu coração, e, jogando para os cães a pior parte, escrevinho um tanto de gozo no despertar do juízo final. 
Sou muita má sorte revestida sob uma falsa túnica
Torno-me cruel para ser belo, 
Minha casa não tem maiores males;
Passeio os dias pela cidade sem companhia:
Solitário, assim, vivo entre a noite e o amanhecer. 


sábado, 2 de abril de 2016

Andróide Sem Par - Cazuza

Passeando outro dia
Meus Rayban escuros
Eu conheci um andróide
Sem par nem futuro

Porque também não existe mais nenhum futuro
Não tem sonho nenhum
Ele nada espera
Por isso nem repara
A manha do poeta
Porque também não existe nenhuma saudade (não)
Não existe maldade
Na terra do andróide sem par

Uns viram Messias
E andam no mar
Uns andam armados
Pra te matar
Fazem amor por esporte
Vivem a vida
Não pensam na morte

terça-feira, 8 de março de 2016

...

"Parem de jogar cadáveres na minha porta
na minha mesa,
na minha cama,
dificultando que alcance o corpo da mulher que amo."


[Affonso Romano de Sant'anna]