quinta-feira, 30 de junho de 2016

A Hora do Lobo

Por Lucas Barreto

"Que qualquer longo tempo curto seja". 
Os Lusíadas


No Princípio

Em meu espírito reina agora tão somente a sombra do que supus
Almejei o prestígio e findei sob a redoma do miasma exalado pelos pretendentes de Penélope,
Outrora fui capitão dos sete mares
Minha frota sucumbiu transformando o mar verde em vermelho oceano. 

A estas horas tão tardas já não demonstro vontade para com a minha própria causa
Meu sangue enrubesce trazendo consigo o sentimento atlântico do mundo
Afinal de contas, hei de vos tomar por discórdia? 
Ambição de sonho impossível neutraliza a minha alma. 

Ato I

Bem vedes que perdi minha armada na tempestade d'uma única lágrima;
Inquieto, agora, percorro nas catacumbas dos que ainda hão de ser salvos.
À fogueira vós! 
Assim, por ora, a terra me favorece
Pois sei muito bem julgar a clemência da alma quando há areia entre os dedos
Loas loas para todos vocês, meus amigos imaginários
Recebo-vos do mesmo modo como Hamlet acolhera os atores em seu leito.

Teu olhar mais sereno se manifestou em meu coração tal qual mãe espiando criança
Estarias tu reverberando a sombra d'uma outra sombra? 
Quem há de guardar as mãos no bolso com feição solitária para abrir uma porta e deparar-se com outra? 

Tomai-me e lançai-me ao mar ou tomai-me por Segismundo
Lançar-vos-ei do parapeito da minha varanda
Fornicarei com vassalos numa tenda à beira mar, e, na iminência da chuva púrpura, hei de conter o desejo.

Ato II

A terra me voltou a eterna glória,
No entardecer, eu vi a Deusa partir o meu exército entre adeptos do sol e veneradores da lua
Eu vi a Deusa arremessar o filho pródigo numa fornalha de vaidades.

Apodrecem os frutos no terreno em que outrora reinastes:
Dois timões e nada mais para que eu possa navegar na plenitude deste oceano-mar
Sonho e vivo longe do sol bem como o jovem Werther
Sois, para mim, tristeza e refúgio. 

Não vivo a contento com minha namorada de jambo
Escuta: fiz para ti uma ópera de sete dias; descansarás no sétimo dia! 


Ato III - Os sonhos de Atys 

Vim de enfrentar amores e desencontros sob a luz da última ceia
Reencontrei-me por causa perdida,
O choro de quem não ama serve como consolo para todos aqueles que dormem em noites de verão
Eis-me aqui, ditoso, ante o meu próprio pesar, fitando em surdina uma alucinação sublime
Quem está aí?
Sem brilho vieste até mim sem o ouro do Reno
Não sou aquele para o qual vieste beijar a face
A hora mais escura martela o princípio e o fim do meu propósito. 

Ato IV

Minha palavra é a coroa do rei deposto
O mundo não avança por caprichos e eu, por minha fé, não cearei convosco
Bendita sois vós ao arrebatamento da noiva
Se o mundo é honesto, então o fim está próximo.

Não encontro motivo de contenda numa palha
Nada faço, tudo digo 
Olhos e ouvidos: só percebo a mentira dos que se autoproclamam imaculados. 

Ato Final 

Divido em dois pedaços o meu coração, e, jogando para os cães a pior parte, escrevinho um tanto de gozo no despertar do juízo final. 
Sou muita má sorte revestida sob uma falsa túnica
Torno-me cruel para ser belo, 
Minha casa não tem maiores males;
Passeio os dias pela cidade sem companhia:
Solitário, assim, vivo entre a noite e o amanhecer.